"Ao ser o que somos, o somos na linguagem"

Formação em Letras no Brasil: (des)caminhos de uma profissão

21-01-2011 15:32

 

Escrito por Eduardo Martins

eduardo.cmartins@hotmail.comEste endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

Cinqüenta anos em cinco. Este foi o lema da campanha à Presidência feita por Juscelino Kubitscheck em 1955. O slogan representava o desenvolvimento pretendido para o Brasil em 31 metas, dentre elas a Educação. Planejou-se a modificação do sistema educacional, que, na prática, significou a intensificação e reorientação da formação do pessoal técnico para o desenvolvimento do país (CARDOSO, 1978).

Hoje, passado mais de meio século, permanece a convicção de que a qualificação do Ensino Superior é um caminho obrigatório para o desenvolvimento nacional, todavia, quando observamos as licenciaturas em Letras percebemos um desvio lamentável. Este texto busca refletir sobre três fatores que podem comprometer ou promover a qualidade da formação do profissional da linguagem e algumas perspectivas futuras.

Segundo dados do Ministério da Educação, há mais de 400 Instituições autorizadas a oferecer cursos de graduação em Letras em todos os estados da Federação. O número de programas de licenciatura alcançam bem além de um milhar. Esse aumento do número de vagas, associado ao menor custo das mensalidades e a (relativa) baixa concorrência no vestibular faz deste curso uma opção para indivíduos que desejam um diploma de nível superior, mas não querem, de fato, a profissão do magistério. Temos, assim, o primeiro fator para a qualidade da formação em Letras no Brasil: a motivação vocacional.

Em pesquisa apresentada pela professora Desirée Motta-Roth, no III ENPLE , até bem recentemente, apenas 20% dos calouros de Letras da UFSM pretendiam atuar no magistério, isto é, apenas dois em cada grupo de dez estudantes iniciais. É bem verdade que a sala de aula não é a única alternativa para o graduado em Letras. Esse profissional dispõe de muitas outras opções de atuação como editor, pesquisador, redator, roteirista, revisor, crítico literário, tradutor, intérprete, assessor parlamentar, assessor de comunicação, secretário-executivo, entre outros. Contudo, é importante uma reflexão: por que a licenciatura, que deveria formar principalmente professores, está perdendo seu foco? É possível imaginar uma classe cursando Odontologia sem almejar ser dentista? Ou ainda cursando Engenharia para não serem engenheiros?

Segundo a pesquisa, as representações sociais dos alunos da UFSM evidenciavam pouco otimismo em função do baixo valor conferido pela sociedade à carreira docente (TICKS 2003; MOTTA-ROTH & MARAFIGA, 1991). Assim como eles, está no imaginário popular que tornar-se professor é comparado a fazer voto de pobreza, ou seja, muito trabalho, pouco salário. Observe a tira humorística que reproduz o senso comum:

Além da motivação, o segundo fator que pode comprometer ou promover a qualidade na formação em Letras revela-se ainda mais nocivo, pois parte de quem deveria zelar pela excelência educacional: a legislação.

Paiva mostra que a qualidade das licenciaturas tem sido uma preocupação do MEC nos últimos anos, todavia, infelizmente esta é uma atitude recente. A área de Letras passou por profundas modificações na legislação, especialmente em língua estrangeira (LE), conforme resoluções que sintetizamos:

1961 – A LDB retira a obrigatoriedade do ensino de LE do ensino básico;
1962 – Primeiro modelo de currículo mínimo que abrangia cinco línguas e suas literaturas – duas possibilidades de habilitação: Português ou português+LE;
1966 – Surgimento da licenciatura única em LE;
1969 – Obrigatoriedade da formação pedagógica, não conseguida plenamente até hoje currículos com três anos de bacharelado e um ano pedagógico (formação 3+1);
1971 – Inserção pela LDB da LE como mera recomendação;
1972 – Carga horária mínima estabelecida em 2.200 horas para licenciaturas plenas;
1976 – Ensino de LE obrigatório para o Ensino médio.
1996 – Nova LDB impõe ensino de LE a partir da quinta série de ensino fundamental;
1998 – PCNs de ensino fundamental incentivam somente a leitura instrumental em detrimento das outras habilidades para LE. O estudante “não precisará das outras habilidades” segundo o documento preconceituoso;
2001 – Diretrizes para o curso de Letras;
2002 – Em fevereiro a SESu-MEC institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em cursos de licenciatura plena.
2002 – Carga horária expandida para 2.800 horas, sendo 400h de prática; 400 de estágio curricular supervisionado, 1.800 de conteúdos curriculares e 200 de outras atividades acadêmico-científico-culturais.

Podemos notar que as leis educacionais de 1961 a 1976 ignoraram a importância das línguas estrangeiras ao deixar de incluí-las como obrigatórias. Esse vácuo se deve em larga medida à ausência de políticas nacionais de ensino de línguas estrangeiras até os dias atuais, demonstrada na diminuição drástica da carga horária escolar, chegando a uma aula por semana, falta de distribuição de livros didáticos para LE pelo MEC, além da exclusão da avaliação desse conteúdo (LE) nos exames nacionais criados após a LDB de 1996 como a primeira versão do ENEM e o Exame ENADE de avaliação dos cursos mediante a avaliação dos alunos de último ano, por exemplo. Percebemos um status de disciplina inferior, perpetuada desde 1961 até hoje, o que reforça a crença perversa de que não se aprende LE na escola. Como promover qualidade na formação em Letras se nossa legislação faz o papel do inimigo? Precisamos entender que uma política pública para ser efetiva precisa ir além da aprovação de resoluções, decretos e parâmetros curriculares, mas deve se revestir de ações de valorização da prática docente e melhoria das condições de trabalho, o que, de fato, aguardamos com ansiedade.

Através da falta destas ações efetivas na graduação, encontramos para além desta o terceiro fator que pode comprometer ou alavancar a qualidade da educação superior em Letras: o permanente aperfeiçoamento dos professores e a formação autonomizadora dos aprendizes.

Apesar de ser um dos pontos centrais das Diretrizes de 2002, a Formação Continuada não atingiu o mínimo do seu potencial no Brasil. Não há sistemas efetivos que possibilitem a oportunidade de retorno planejado e sistemático dos(as) profissionais da educação às Instituições formadoras. Essa formação não abrange apenas o professor, mas também inclui os diretores, os orientadores educacionais, os supervisores pedagógicos e os administradores escolares.

A falta de preparo profissional adequado do professor de língua materna e estrangeira é amplamente reconhecida e muito discutida no meio acadêmico (Abrahão,1992, 1996, 2002; Almeida Filho, 1992, 1999; Alvarenga, 1999; Basso, 2001; Castro, 1999; Celani, 1996b, 2000; Consolo, 1996, 2002, 2004; Filgueira dos Reis, 1992; Gimenez, 1994, 1999, 2002; Moita Lopes, 1996). Assim, a Formação Continuada deve constituir-se como um espaço de produção de novos conhecimentos, de troca de diferentes saberes, de repensar e refazer a prática do professor, da reconstrução das competências do educador. Um professor não exposto à prática reflexiva tende a repetir o mesmo currículo de anos anteriores e, assim, a escola continua parada no tempo com ensino descontextualizado, desmotivado e não-reflexivo, repassando conhecimentos que em nada servem para a vida social, pessoal e futuro profissional dos educandos.

 

Perspectivas futuras

 

O que fazer, então, para que os três fatores, motivação, legislação e aperfeiçoamento, possam construir uma formação com mais qualidade? Podemos relembrar as dicas deixadas pelo personagem que abriu este texto, o presidente Juscelino Kubitscheck.

Adotando a metodologia de Kubitscheck, primeiro é preciso sonhar. Idealizar que podemos ter uma educação de qualidade neste país; confiar que mesmo com as adversidades uma mudança é possível; saber que pequenas ações podem contribuir significativamente para grandes transformações. É preciso rejeitar pensamentos conformistas nos quais não há mais solução para a educação. Ao contrário, as mudanças nesta área começam pelo CRER para mais tarde podermos VER.

Segundo, é importante planejar. Nenhuma melhoria acontece por acaso. Semelhante às trinta e uma metas do presidente, se buscamos desenvolvimento precisamos saber onde concentrar nossos esforços. É necessário pesquisar e divulgar resultados que demonstrem as falhas do sistema educacional brasileiro. Indicar caminhos, mostrar soluções, propor novas idéias, circular conhecimentos e, assim, montar um plano de ação que norteará os rumos da educação local e nacional.

Terceiro, é fundamental mobilizar a classe. Os educadores brasileiros comumente pensam que política educacional é responsabilidade dos governos municipal, estadual ou federal, tornando-se passivos no processo decisório. Isso parece equivocado. Temos de ser agentes da mudança que queremos, não podemos ficar alheios como vítimas de políticas que não promovem a qualidade. Precisamos multiplicar nossa influência política com associações fortes como as de Professores de Línguas pelo país afora e como a ALAB (Associação de Linguística Aplicada do Brasil). Onde está a federação de Associações Regionais do Brasil?

Por fim, é necessário persistir. Mudanças não acontecem subitamente. Oposições e adversidades com certeza virão, porém não podemos desistir da busca pela qualidade tão sonhada, planejada e articulada. Espero que não tenhamos que levar mais cinqüenta anos para caminhar o que poderíamos ter feito em cinco.

 

Referências


CARDOSO, Míriam Limoeiro. Ideologia do Desenvolvimento – Brasil : JK – JQ.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978

PAIVA, V.L.M.O. O Novo Perfil dos Cursos de Licenciatura em Letras. In: TOMICH, et (Orgs.). A interculturalidade no ensino de inglês. Florianópolis: UFSC, 2005. p.345-363.

PAIVA, V.L.M.O. A LDB e a legislação vigente sobre o ensino e a formação de professor de língua inglesa. In: STEVENS, C.M.T e CUNHA, M.J. Caminhos e colheitas: ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: UnB, 2003. P.53-84.

Provão 2002: Letras. Informativo. Brasília, abril de 2002.

Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. www.mec.gov.br/home/ftp/LDB.doc
Diretrizes curriculares para os cursos de graduação. https://www.mec.gov.br/SESU/diretriz.shtm

Resolução CNE/CP 1/2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. https://www.mec.gov.br/cne/pdf/CP012002.pdf

Resolução CNE/CP 2/2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. https://www.mec.gov.br/cne/pdf/CP022002.pdf

Avaliação das condições de ensino. https://www.mec.gov.br/Sesu/ofertas.shtm

Avaliação das Condições de Oferta dos Cursos de Graduação. https://www.inep.gov.br/superior/condicoesdeensino/manuais.htm

 

Retirado de www.sala.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=64:formacao-em-letras-no-brasil-descaminhos-de-uma-profissao-&catid=41:textos-em-la&Itemid=161 em 21 jan. 2010.

© Diretório Acadêmico de Letras da Faculdade Ages, 2010-2012

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