"Ao ser o que somos, o somos na linguagem"

Revista Letrando

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27-12-2011 11:55

ABC do Nordeste Flagelado

A

     Ai, como é duro viver
     nos Estados do Nordeste
     quando o nosso Pai Celeste
     não manda a nuvem chover.
     É bem triste a gente ver
     findar o mês de janeiro
     depois findar fevereiro
     e março também passar,
     sem o inverno começar
     no Nordeste brasileiro.
 

B

     Berra o gado impaciente
     reclamando o verde pasto,
     desfigurado e arrasto,
     com o olhar de penitente;
     o fazendeiro, descrente,
     um jeito não pode dar,
     o sol ardente a queimar
     e o vento forte soprando,
     a gente fica pensando
     que o mundo vai se acabar.
 

C

     Caminhando pelo espaço,
     como os trapos de um lençol,
     pras bandas do pôr do sol,
     as nuvens vão em fracasso:
     aqui e ali um pedaço
     vagando... sempre vagando,
     quem estiver reparando
     faz logo a comparação
     de umas pastas de algodão
     que o vento vai carregando.
 

D

     De manhã, bem de manhã,
     vem da montanha um agouro
     de gargalhada e de choro
     da feia e triste cauã:
     um bando de ribançã
     pelo espaço a se perder,
     pra de fome não morrer,
     vai atrás de outro lugar,
     e ali só há de voltar,
     um dia, quando chover.
 

E

     Em tudo se vê mudança
     quem repara vê até
     que o camaleão que é
     verde da cor da esperança,
     com o flagelo que avança,
     muda logo de feição.
     O verde camaleão
     perde a sua cor bonita
     fica de forma esquisita
     que causa admiração.
 

F

     Foge o prazer da floresta
     o bonito sabiá,
     quando flagelo não há
     cantando se manifesta.
     Durante o inverno faz festa
     gorjeando por esporte,
     mas não chovendo é sem sorte,
     fica sem graça e calado
     o cantor mais afamado
     dos passarinhos do norte.
 

G

     Geme de dor, se aquebranta
     e dali desaparece,
     o sabiá só parece
     que com a seca se encanta.
     Se outro pássaro canta,
     o coitado não responde;
     ele vai não sei pra onde,
     pois quando o inverno não vem
     com o desgosto que tem
     o pobrezinho se esconde.
 

H

     Horroroso, feio e mau
     de lá de dentro das grotas,
     manda suas feias notas
     o tristonho bacurau.
     Canta o João corta-pau
     o seu poema funério,
     é muito triste o mistério
     de uma seca no sertão;
     a gente tem impressão
     que o mundo é um cemitério.
 

I

     Ilusão, prazer, amor,
     a gente sente fugir,
     tudo parece carpir
     tristeza, saudade e dor.
     Nas horas de mais calor,
     se escuta pra todo lado
     o toque desafinado
     da gaita da seriema
     acompanhando o cinema
     no Nordeste flagelado.
 

J

     Já falei sobre a desgraça
     dos animais do Nordeste;
     com a seca vem a peste
     e a vida fica sem graça.
     Quanto mais dia se passa
     mais a dor se multiplica;
     a mata que já foi rica,
     de tristeza geme e chora.
     Preciso dizer agora
     o povo como é que fica.
 

L

     Lamento desconsolado
     o coitado camponês
     porque tanto esforço fez,
     mas não lucrou seu roçado.
     Num banco velho, sentado,
     olhando o filho inocente
     e a mulher bem paciente,
     cozinha lá no fogão
     o derradeiro feijão
     que ele guardou pra semente.
 

M

     Minha boa companheira,
     diz ele, vamos embora,
     e depressa, sem demora
     vende a sua cartucheira.
     Vende a faca, a roçadeira,
     machado, foice e facão;
     vende a pobre habitação,
     galinha, cabra e suíno
     e viajam sem destino
     em cima de um caminhão.
 

N

     Naquele duro transporte
     sai aquela pobre gente,
     agüentando paciente
     o rigor da triste sorte.
     Levando a saudade forte
     de seu povo e seu lugar,
     sem um nem outro falar,
     vão pensando em sua vida,
     deixando a terra querida,
     para nunca mais voltar.
 

O

     Outro tem opinião
     de deixar mãe, deixar pai,
     porém para o Sul não vai,
     procura outra direção.
     Vai bater no Maranhão
     onde nunca falta inverno;
     outro com grande consterno
     deixa o casebre e a mobília
     e leva a sua família
     pra construção do governo.
 

P

     Porém lá na construção,
     o seu viver é grosseiro
     trabalhando o dia inteiro
     de picareta na mão.
     Pra sua manutenção
     chegando dia marcado
     em vez do seu ordenado
     dentro da repartição,
     recebe triste ração,
     farinha e feijão furado.
 

Q

     Quem quer ver o sofrimento,
     quando há seca no sertão,
     procura uma construção
     e entra no fornecimento.
     Pois, dentro dele o alimento
     que o pobre tem a comer,
     a barriga pode encher,
     porém falta a substância,
     e com esta circunstância,
     começa o povo a morrer.
 

R

     Raquítica, pálida e doente
     fica a pobre criatura
     e a boca da sepultura
     vai engolindo o inocente.
     Meu Jesus!  Meu Pai Clemente,
     que da humanidade é dono,
     desça de seu alto trono,
     da sua corte celeste
     e venha ver seu Nordeste
     como ele está no abandono.
 

S

     Sofre o casado e o solteiro
     sofre o velho, sofre o moço,
     não tem janta, nem almoço,
     não tem roupa nem dinheiro.
     Também sofre o fazendeiro
     que de rico perde o nome,
     o desgosto lhe consome,
     vendo o urubu esfomeado,
     puxando a pele do gado
     que morreu de sede e fome.
 

T

     Tudo sofre e não resiste
     este fardo tão pesado,
     no Nordeste flagelado
     em tudo a tristeza existe.
     Mas a tristeza mais triste
     que faz tudo entristecer,
     é a mãe chorosa, a gemer,
     lágrimas dos olhos correndo,
     vendo seu filho dizendo:
     mamãe, eu quero morrer!
 

U

     Um é ver, outro é contar
     quem for reparar de perto
     aquele mundo deserto,
     dá vontade de chorar.
     Ali só fica a teimar
     o juazeiro copado,
     o resto é tudo pelado
     da chapada ao tabuleiro
     onde o famoso vaqueiro
     cantava tangendo o gado.
 

V

     Vivendo em grande maltrato,
     a abelha zumbindo voa,
     sem direção, sempre à toa,
     por causa do desacato.
     À procura de um regato,
     de um jardim ou de um pomar
     sem um momento parar,
     vagando constantemente,
     sem encontrar, a inocente,
     uma flor para pousar.
 

X

     Xexéu, pássaro que mora
     na grande árvore copada,
     vendo a floresta arrasada,
     bate as asas, vai embora.
     Somente o saguim demora,
     pulando a fazer careta;
     na mata tingida e preta,
     tudo é aflição e pranto;
     só por milagre de um santo,
     se encontra uma borboleta.
 

Z

     Zangado contra o sertão
     dardeja o sol inclemente,
     cada dia mais ardente
     tostando a face do chão.
     E, mostrando compaixão
     lá do infinito estrelado,
     pura, limpa, sem pecado
     de noite a lua derrama
     um banho de luz no drama
     do Nordeste flagelado.
 

     Posso dizer que cantei
     aquilo que observei;
     tenho certeza que dei
     aprovada relação.
     Tudo é tristeza e amargura,
     indigência e desventura.
     — Veja, leitor, quanto é dura
     a seca no meu sertão.

 

Patativa do Assaré

29-11-2011 09:16

ÍCARO E A LUA

 

Dos becos escuros gritam em desatino
Angústias e esperanças da juvenil revoada
Começando sua busca, uma mística jornada
Inaugurada pela arrepiante badalada d"um sino

Não existiria objetivo, não fosse ele divino
Justificando o sol que ardia em sua face
Fornecendo o calor àquele fatal desenlace
Carregando su"alma nas tristes asas do destino.

No átrio a Lua o recebe, com sua luz caridosa,
Aquele que liderou os homens, de forma corajosa,
Contra a apolínea maldição no sonho do menino:

"Seu erro foi trocar a noite, mais formosa,
Onde minhas estrelas brilham em carícia luminosa,
Pela estrela única de um deus tolo e cabotino."

 

Grigório Maurício Rocha

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